A interpretação comunitária da isenção do IVA nos serviços públicos postais

Foi recentemente divulgada uma decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) que contribui para uma melhor interpretação da isenção de IVA para os serviços públicos postais.

Nos termos do 23) do art. 9.º do Código do IVA, com excepção das telecomunicações, as prestações de serviços e as transmissões de bens conexas efectuadas pelos serviços públicos postais estão isentas de IVA.

No entanto, e do que resulta da mais recente jurisprudência do TJCE, o facto de uma prestação de serviços ou uma transmissão de bens ser efectuada pelos serviços públicos postais, tal não implica, por si só e automaticamente, que a mesma esteja isenta de IVA.

Este preceito do Código do IVA corresponde ao art. 132.º n.º 1 alínea a) da Directiva 2006/112/CE (que substituiu a Sexta Directiva do IVA) e que anteriormente se encontrava previsto no art. 13.° da Sexta Directiva. Assim, esta disposição isenta os «serviços públicos postais» do IVA pelas suas actividades de interesse geral.

A questão em concreto foi apreciada pelo TJCE no processo C-357/07 (TNT Post UK).

A Directiva relativa aos serviços postais (Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997) iniciou o processo de liberalização gradual do mercado dos serviços postais, estabelecendo regras relativas à prestação dum serviço postal universal e os critérios que definem os serviços que podem ser reservados aos prestadores do serviço postal universal. Desta directiva resulta um ponto decisivo na apreciação desta questão, que é o facto de as disposições desta directiva, em matéria de prestação do serviço universal não afectarem o direito dos operadores do serviço universal de negociarem individualmente contratos com os clientes.

Em 2001, a Royal Mail foi designada como única prestadora do serviço postal universal no Reino Unido. Nos termos dessa licença, a Royal Mail é obrigada a fornecer um serviço postal universal que inclua pelo menos uma distribuição a cada domicílio e uma recolha em cada dia útil a tarifas abordáveis aplicadas de modo uniforme. A partir de 2006, o mercado dos correios no Reino Unido foi totalmente liberalizado, mas sem afectar o estatuto nem as obrigações da Royal Mail. O transporte pela Royal Mail de encomendas postais e de cartas não está sujeito a IVA.

A TNT intentou uma acção na High Court of Justice pondo em causa a legalidade da isenção do IVA dos serviços postais da Royal Mail, alegando que os serviços que presta são os mesmos que a Royal Mail fornece mas estão sujeitos a IVA. Refira-se que a TNT Post oferece «serviços a montante» para o correio comercial. Recolhe, selecciona e encaminha o correio até um depósito regional da Royal Mail. Em seguida, a Royal Mail fornece «serviços a jusante», distribuindo este correio, pois a TNT Post não possui serviço de distribuição. Os serviços da TNT estão sujeitos a IVA.

O High Court of Justice solicitou então ao TJCE uma interpretação da expressão «serviços públicos postais» no contexto dum mercado totalmente liberalizado e da amplitude da isenção de IVA relativamente a esses serviços.

Em primeiro o lugar, o TJCE analisou a questão da interpretação de «serviços públicos postais», considerando que a mesma se refere aos operadores que realizam as prestações e não às próprias prestações, independentemente da qualidade do prestador dos serviços. Além do mais, a liberalização do mercado não exclui a aplicação da isenção, ou seja, é indiferente a natureza e qualidade dos prestadores dos serviços, ou seja, que estes sejam prestados por entidades públicas ou provadas.

O escopo desta isenção passa por favorecer o objectivo de interesse geral de oferecer serviços postais que respondam às necessidades essenciais da população a preço reduzido, alcançado através da isenção, Aliás, este objectivo corresponde à definição de serviço postal universal constante da directiva relativa aos serviços postais e este conceito constitui, assim, uma referência útil para interpretar o conceito de «serviços públicos postais».

Do exposto resulta que se devem considerar serviços públicos postais, na acepção do art. 132.° n.º 1 alínea a) da Directiva 2006/112/CE (e por conseguinte na acepção do art. 9.º, 23) do Código do IVA) os operadores, independentemente de se tratar de entidades públicas ou privadas que se obriguem a oferecer serviços postais que respondam às necessidades essenciais da população e, por conseguinte, a assegurar, na prática, a totalidade ou uma parte do serviço postal universal num Estado-Membro, tal como é definido no na Directiva 97/67.

De sublinhar no entanto que, nem todas as prestações de serviços efectuadas por serviços públicos postais estão isentas, independentemente da sua natureza intrínseca. Apenas, as prestações de serviços que os serviços públicos postais realizam nessa qualidade, ou seja, precisamente na qualidade de serviço postal universal, estão isentas. As prestações de serviços cujas condições tenham sido negociadas individualmente estão excluídas da isenção.

Isto porque a interpretação do art. 132.º n.º 1 alínea a) da Directiva do IVA deve ser efectuada de modo simultaneamente estrito e conforme com o objectivo prosseguido por esta disposição, ou seja, sempre com referência aos serviços postais universais de interesse geral. O que significa que a isenção não se pode aplicar a serviços específicos que são dissociáveis do serviço de interesse geral, entre os quais figuram os serviços que respondem a necessidades especiais de operadores económicos.

Faz por isso sentido a referência acima feita à possibilidade de os serviços públicos postais poderem negociar individualmente com os clientes, sendo que neste caso não estão a realizar uma operação de interesse geral que possa beneficiar da isenção.

Assim, esta isenção prevista não se aplica a prestações de serviços nem a entregas de bens acessórias destas, cujas condições sejam negociadas individualmente, mas apenas a prestações de serviços e a entregas de bens acessórias destas, com excepção dos transportes de pessoas e das telecomunicações, que os serviços públicos postais realizam nessa qualidade, isto é, por força da sua qualidade de operador que se obriga a assegurar num Estado-Membro a totalidade ou parte do serviço postal universal.

FONTE: EXAME EXPRESSO
AUTOR: JOÃO CALDEIRA

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