Quatro acordãos em contradição: Tribunal Constitucional dividido sobre aplicação de coimas da empresa a gerentes

Há dois acórdãos para cada lado. O próximo acórdão fixará o sentido da jurisprudência. Em causa a capacidade do fisco de cobrar aos gerentes as coimas de empresas sem património

Uma empresa deixou de ter bens suficientes para pagar uma multa ou coima. Deve o seu administrador pagar pela empresa? A lei diz que sim, mas os tribunais administrativos dizem que não e o Tribunal Constitucional está dividido. Há já dois acórdãos a considerar a norma inconstitucional e outros dois a dizer o contrário, de acordo com dados recolhidos pelo PÚBLICO. Quem aprovar o terceiro acórdão, fixará a jurisprudência.

Ontem, o Diário da República publicou o acórdão 25/2011 que colocou empatados o número de acórdãos dos juízes do TC sobre a constitucionalidade da norma prevista no artigo 8 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT).

Essa disposição consagra a responsabilidade subsidiária de administradores e gerentes no pagamento de multas ou coimas por infracções cometidas mesmo fora dos seus mandatos, mas "quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento".

A norma foi criada para prevenir os empresários de dilapidarem o património das empresas, a ponto de a tornar insolvente, e assim evitarem a execução fiscal. Sobretudo num contexto em que a ineficaz fiscalização não impede que uma empresa encerre e, no momento seguinte, abra portas "ao lado", às vezes com o mesmo património e empregados, deixando o Estado a braços com uma cobrança por executar.

Mas a questão não é pacífica. Primeiro, os magistrados do Supremo Tribunal Administrativo (STA) têm ligado esta norma à transmissão da responsabilidade penal e de quebra de presunção de inocência, impedidas pela Constituição (artigo 30.º). Mas os magistrados do TC que rebatem este argumento alegam que a transmissão só deve ser estendida aos casos de pessoas, em que, por morte, a pena não pode ser "herdada".

Depois, a polémica entronca num historial de decisões judiciais e envolve um conflito de opiniões entre o Estado e o STA. Governos e Ministério Público querem fixar regras administrativas que previnam comportamentos dolosos dos empresários e dar meios à administração fiscal para chegar à execução fiscal. Os juízes defendem os poderes judiciais perdidos com a aprovação da norma, desde o Regime Geral de Infracções Tributárias Não Aduaneiras (anos 90), e depois com o RGIT. Consideram que cabe aos tribunais decidir sobre a responsabilidade civil dos administradores e que a execução fiscal se extingue na insolvência das empresas, tal como quando a morte atinge um contribuinte.

A polémica chegou ao Tribunal Constitucional em 2008 e os dois primeiros acórdãos foram no sentido da constitucionalidade do legislador poder responsabilizar civilmente os administradores. O STA não se conformou e estabeleceu que o fisco não estava habilitado a executar coimas. O Orçamento do Estado de 2010 consagrou então que podem ser cobradas em processos de execução fiscal as "coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do RGIT". O STA reagiu e firmou que o fisco não tem capacidade para decidir sobre indemnizações, tendo que fundamentar a culpa do empresário, o que o obriga a passar primeiro por um tribunal comum, para só depois aplicar a coima.

As decisões do STA por inconstitucionalidade são comunicadas ao TC pelo Ministério Público. E a linha final deste conflito finda aí. Mas, tal como o tribunal se encontra organizado, a jurisprudência dependerá do acaso e dos magistrados que decidirem o próximo processo.

Dois a dois no "marcador" do Constitucional

De 2008 e até anteontem, os juízes do Tribunal Constitucional pareciam ser pela constitucionalidade de o legislador poder decidir sobre a responsabilidade subsidiária dos administradores. Mas o acórdão publicado ontem empatou a "competição". Pela constitucionalidade, estão os acórdãos 150/2009 e 129/2009. Pela inconstitucionalidade, os acórdãos 481/2010 e 24/2011.

Só pela numeração, depreender-se-á que o entendimento mais recente inclina-se pela inconstitucionalidade. Um dos juízes que pugnavam pela constitucionalidade e que se declarara vencido no acórdão 481/2010 - João Cura Mariano - não o fez no acórdão 25/2011. Já Rui Moura Ramos, que era pela constitucionalidade, declarou sobre o acórdão 25/2011 que, apesar de manter a mesma posição, considera que "o mecanismo de reversão" de responsabilidade, tal como previsto no Código de Procedimento e de Processo Tributário, será "desconforme com os princípios constitucionais".

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FONTE: PUBLICO
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